Havia tempo que a Santa Sé projetava construir em Roma uma grande basílica em honra de S. Pedro, em substituição a velha igreja do mesmo nome.
A ideia do Papa Júlio II, em 1506, era fazer que a catolicidade contribuísse para levantar-se o monumento que devia ser como que a manifestação pública da unidade católica; o projeto ultrapassava os mais edifícios do mundo. Para que os católicos de todo o mundo se interessassem pela obra comum, o Papa concedeu uma indulgência particular a todos os cooperadores desta empresa por meio de esmolas.
Já havia tal indulgência sido pregada em quase todos os países, com exceção da Alemanha, devido às grandes somas que, de direito, tinha o império germânico de dar à Roma, o que anteriormente suscitara certo descontentamento.
Julgou o Papa Leão X que tal animosidade desaparecera, podendo, também a Alemanha, contribuir, por seu turno, para ajudar à Basílica de Roma, e, por isso, mandou publicar a Bula das indulgências em março de 1515. Eram condições para se lucrar a indulgência: confissão, comunhão, um dia de jejum, a visita a sete igrejas ou altares e uma esmola para a Basílica em construção.
Foi nomeado o arcebispo de Mainz comissário desta indulgência, devendo ela entrar em vigor na Quaresma de 1517. O arcebispo nomeou como vice-comissário do arcebispado de Magdeburg o dominicano João Tetzel, que já havia exercido a mesma função em Mainz, no ano anterior.
Como desempenhou o padre Tetzel este ofício?
O dominicano era um orador popular, talentoso, mas, segundo consta das informações de Grisar, cometeu exageros ao explicar o modo de aplicação das indulgências aos vivos. Há quem afirme que os desvios nas expressões do pregador em nada afetaram a sua doutrina, sempre exata.
No ensino eclesiástico, a indulgência é a remissão da pena temporal devida aos pecados já perdoados, benefício espiritual que a Igreja concede sob certas cláusulas a quem está em estado de graças, aplicando-lhe os méritos infinitos de Jesus Cristo, e os superabundantes de Maria Santíssima e dos Santos, os quais constituem o tesouro da Igreja.
A indulgência plenária perdoa toda a pena temporal, enquanto a parcial apaga apenas uma parte dela. Para se lucrarem as indulgências, importa estar em estado de graça e cumprir o que elas prescrevem.
Em virtude da Comunhão dos Santos, as indulgências as indulgências podem geralmente ser aplicada às almas do purgatório, sem que, entretanto, saibamos com certeza os frutos praticamente a elas comunicados. Tal aplicação, de fato, não depende só da Igreja, senão da vontade de Deus. Depois da revolta de Lutero, e para motivá-la, inventaram os protestantes mil e tantas calúnias contra Teztel e o objetivo de suas pregações, mas os ataques foram sem fundamentos e sem provas.
A Declaração de Guerra
Teztel não falou em Wittemberg, mas na Saxônia, em Juterbog; desta sorte, Lutero não ouviu pessoalmente a tal pregação, conhecendo-a através de informações de seus alunos e
amigos.
Lutero se inflamou, achando favorável a ocasião para agir.
E logo começou, decidido a todos os excessos, com todo o ardor de seu temperamento, ávido de proezas e novidades.
Na véspera da festa de todos os Santos, orago da Igreja dos Agostinianos, uma multidão se acotovelava na praça para ganhar a indulgência de Porciúncula, quando Lutero apareceu com 95 teses contrárias às indulgências, as quais afixou à porta do templo. Era a declaração de guerra religiosa.
O novo herege levantou-se contra o ensino da Teologia, declarando não terem as indulgências valos algum perante Deus, não passando de apenas canônicas impostas pela Igreja. Além disso, negou a doutrina referente ao tesouro da Igreja.
O documento terminava com um ataque zombeteiro e ferino, comparando as indulgências a uma rede de pescador, com que se apanhava a fortuna dos homens que ofenderam a autoridade eclesiástica.
Finalmente pergunta Lutero: por que o Papa não constrói a basílica de S. Pedro com seu próprio dinheiro, ele que possui riquezas maiores do que o mais abastado do Cresus, em vez de recorrer aos fiéis pobres?
No mesmo dia o revoltoso remeteu as teses ao arcebispo de Mainz, aconselhando-o a substituir a pregação das indulgências por outra, para evitar se escrevesse contra essa doutrina.
Teztel, prevendo a significação e a rápida propagada das teses de Lutero, pôs-se logo em campanha contra o seu adversário. Para este fim, publicou um lista de 106 proposições por ele defendidas, em 20 de janeiro de 1518, publicamente, diante da Universidade de Frankfurt. Lutero estava com as armas na mão e, em vez de refletir e comparar as doutrinas expostas por ele com as do seu adversário, começou a atacar com furor mal contido a doutrina escolástica sobre a confissão, contrição e a satisfação.
Aos amigos que lhe observaram a excentricidade da nova doutrina, Lutero retrucou com aquela teimosia costumeira: "Pouco me importa que alguns me considerem herege; cérebros escuros que mal cheiraram a Bíblia". Permaneceu Teztel firme e com perspicácia e preparo teológico que o exornavam, compreendeu logo profundamente a perversidade das teorias humanas.
Enquanto muitos teólogos viram nestas discussões uma simples questão de palavras, Tetzel sentia estar em jogo uma verdadeira heresia, cujas consequências abalariam a fé em muitos católicos.
De fato, a questão das indulgências foi desaparecendo rapidamente e, já em maio de 1518, toda a discussão se deslocara para a autoridade da Igreja. A novidade se espalhou célere no meio do povo, que apreciava sobretudo a crítica de certos deslizes reais ou não fictícios entre o clero, e a instigação contra o pagamento de qualquer tributo ou sustento porventura exigido pela Igreja. O povo não atinou logo não se tratar simplesmente de criticar abusos, mas ser desejo dos rebeldes um rompimento complexo com a doutrina e a autoridade da Igreja.
Primeira reação da Igreja
As idéias revolucionárias do heresiarca ecoaram na Alemanha inteira e abalaram a crença de muitos, tanto mais que o terreno se achava admiravelmente preparado para receber qualquer semente de protesto e insurreição.
Efetivamente, o século XVI era de uma quase universal decadência, e a Religião divina não escapava, em sua parte material, ao influxo de ambiente tão corruptor dos costumes.
Havia abusos nos governos, e até no governo subalterno da Igreja, devido à ambição das honrarias, da fortuna e das promessas divinas; os seus dirigentes, porém, seus membros são homens e, como tais, susceptíveis de se deixarem impregnar pelas ideias dos lugares, onde nascem e onde são educados.
Infelizmente, muitos não sabem distinguir entre doutrina e pessoa, confundindo esta com aquela e atribuindo à primeira, o que aconteceu com Lutero, o que é exclusivamente da segunda.
É o que aconteceu com Lutero e seus asseclas admitindo-se estivessem em boa-fé nesta guerra contra a Igreja.
Havia defeitos na vida dos católicos; não os havia porém no ensino eclesiástico.
Pretendiam os descontentes atacar os abusos; podiam fazê-lo. Mas, ao invés, atacaram a doutrina, deixando subsistirem os abusos que cresciam cada vez mais, demolindo-se o verdadeiro ensino em proveito das pessoas ou dos seus erros.
Foi esta a grande aberração, ou a triste confusão de Lutero. O arcebispo de Mainz, D. Alberto de Brandeburg, vendo o erro tomar vulto, denunciou-o a Roma em janeiro de 1518.
Em fevereiro daquele ano, o Papa Leão X escreveu no substituto do Superior geral dos Agostinianos, encarregando-o de persuadir Lutero, seu súdito, a desistir de suas opiniões perigosas ou erradas, para evitar que desta faísca do erro resultasse, um incêndio, impossível talvez de se apagar mais tarde.
Infelizmente, já não era uma simples fagulha, mas uma fogueira que lavrava. Parece ter Lutero encontrado em sua ordem vários cúmplices, partilhando das suas ideias e erros.
A única medida, que se conhece tomada pelos seus superiores, foi a de impedir a reeleição de Lutero como vigário de distrito.
Não continuou em seu cargo o monge deposto, prosseguindo, porém, sua revolta, atacando a doutrina e a autoridade da Igreja Católica.
Retirado do Livro: O Diabo, Lutero e o Protestantismo - Padre Júlio de Lombaerde, S.D.N
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