Celebrar a Santíssima Trindade é celebrar o fato de que Deus é amor. Trata-se de um mistério insondável: Ele é eternamente Pai de um Filho que existe eternamente e o amor entre os dois – também eterno – é o Espírito Santo. A Trindade é revelada aos homens não por meio de uma aula de Catecismo, mas pela obra da salvação, pelo Senhor que envia ao mundo dois Paráclitos: Jesus e o Espírito, a fim de resgatar-nos de nossa maldade.
Ao mesmo tempo, porém, em que Se revela, Deus Se esconde. São Paulo diz: “Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido” [1]. E por que Se esconde o Senhor? Porque é o modo que Ele encontrou de alcançar o nosso amor. Se Se mostrasse totalmente a nós, ficaríamos de tal modo atraídos por Ele que não seríamos capazes de amá-Lo livremente. Por isso, ao mesmo tempo em que “tira o véu” e mostra o Seu amor, Deus “Se vela” e espera de nós um ato de fé em Seu amor.
É o que diz o Evangelho deste Domingo: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. Ou seja, Deus ama-nos, mas somos livres tanto para crer e amá-Lo de volta, com o auxílio do Espírito Santo, quanto para não crer e tentar explicar a vida de Cristo por teoremas meramente humanos.
Vale lembrar que o pecado de Satanás não é o de não crer em Deus. São Tiago diz que “também os demônios creem e tremem” [2]. Aquilo em que o diabo não acredita é no amor de Deus. E é essa a linha que divide a humanidade em duas sociedades: uma que opera no amor e outra que opera no egoísmo. “Dois amores fizeram as duas cidades: o amor de si até ao desprezo de Deus – a terrestre; o amor de Deus até ao desprezo de si – a celeste.” [3]
Em nossas igrejas, estão sentadas, no mesmo banco, pessoas da cidade de Deus e pessoas da cidade dos homens. A qual das duas pertencemos? À dos que creem no amor de Deus e procuram amá-Lo de volta ou à dos que O rejeitam e só pensam em si mesmas, em seus próprios caprichos e veleidades? “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado”, diz Jesus. Quem não crê já está condenado, pois, já neste mundo, habita a cidade do desprezo de Deus.
Ouçamos, neste Domingo, o apelo de Cristo, que, com os braços apertos, chama: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” [4]. Carreguemos corajosamente a Cruz de Cristo, sem a qual não há amor nesta vida, com o auxílio do Espírito, que torna suave o jugo e leve o peso do sofrimento. Contemplando a grandiosa vocação à qual fomos chamados, de participar da vida do próprio Deus, e inflamados pelo amor de Cristo, edifiquemos a Sua cidade, até o desprezo de nós mesmos.
E não nos espantemos que Santo Agostinho fale do “desprezo de si”. Após o pecado original, o nosso amor próprio é doente e desordenado. Para remediar este mal – que é, segundo Santo Tomás, o princípio de todo o pecado [5] –, não há outro caminho senão o da mortificação: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” [6].
Se não se está em estado de graça, é importante arrepender-se e procurar o sacramento da Penitência, a fim de restaurar em seu coração a inabitação trinitária. Uma vez alvejadas as próprias vestes no sangue do Cordeiro, é preciso determinar-se – com “determinada determinación”, como escrevia Santa Teresa [7] – a amar a Deus. Já que não se consegue isso pelas próprias forças, urge implorar ao Senhor a Sua graça, por meio da oração. Perseverando nesse caminho, entra-se no regime da caridade e pode-se celebrar dignamente a Solenidade da Santíssima Trindade.
Referências
1 Cor 13, 12
2.Tg 2, 19
3.Santo Agostinho, De Civitate Dei, 2, XIV, XXVIII
4.Mt 11, 28-30
5.Suma Teológica, I-II, q. 77, a. 4
6.Mt 16, 24
7.Camino de Perfección, 21, 2
Fonte: padrepauloricardo.org
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