domingo, 7 de agosto de 2016

O santo, o noviço , o burro e os linguarudos

monge
Um santo religioso, que conhecia bem as coisas do mundo, percebera que não se podia encontrar quem não falasse mal dos outros. Um dia, disse a um noviço:
“Meu filho, pega nosso burrinho e vem comigo”.
O obediente noviço pegou o asno. Nele montou o velho religioso, enquanto o jovem ia caminhando atrás. A certa altura, deviam atravessar um local cheio de lama e, então, alguém disse:
“Olha quanta crueldade contra esse mongezinho que vai a pé! Deixá-lo andar entre tanta lama! E o velho vai a cavalo!”
O santo religioso desceu então do animal e pôs sobre ele o jovem monge. Andaram mais um pouco e não tardou a aparecer quem dissesse:
“Olha que coisa estranha esse homem no animal! É o velho que deixa o jovem andar no cavalo, sem se cuidar da fatiga e da lama! Não é uma loucura? Os dois deveriam ir sobre o asno. Seria melhor!”
O santo religioso montou então na garupa. E assim prosseguiram, até aparecer outro e dizer:
“Mas olha esses que vão em cima do pobre burrinho! Os dois montaram nele? Será que não têm pena do coitado do burrinho?”
Ouvindo isto, o santo religioso desceu e fez desmontar também o jovem. Seguiram os dois a pé. Logo apareceu alguém que disse:
“Meu Deus, olha a loucura desses dois, que têm o asno, mas vão caminhando a pé por entre o lodo!”
E tendo o santo religioso constatado mais uma vez que não havia pessoa no mundo que não ficasse murmurando, disse ao jovem monge:
“Voltemos agora para a nossa morada”.
De volta às suas celas, perguntou o santo:
“Meu filho, pensaste na lição do asno?”
“Em quê?”
“Não viste que, de qualquer jeito que fôssemos, falavam mal de nós? Se eu ia montado e tu a pé, falavam mal porque és jovem e eu devia proteger-te. Desci, coloquei-te na sela e outro falou mal dizendo que sou velho e devíamos montar os dois. Montamos os dois e ainda falaram mal, dizendo que éramos cruéis com o burrinho. E, quando ambos descemos, ainda murmuraram que era loucura andarmos a pé em vez de montarmos o jumento”.
O sábio religioso prosseguiu:
“Meu filho, guarda bem o que te vou dizer. Mesmo aquele que está no mundo fazendo o bem e empenhando-se em fazer todo o bem possível, nem mesmo ele pode evitar ser alvo de más línguas. Por isso, meu filho, não te incomodes com esses, nem ouças o que dizem, nem tenhas vontade de andar no meio deles, porque, seja como for, sempre acabarás perdendo: deles não sai senão pecado. Tu faze o bem sempre. Deixa-os dizerem o que bem entendem, quer falem bem, quer falem mal”.

São Bernardino de Siena, em “Apologhi e Novellette”
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