A Quaresma são os quarenta e seis dias, da Quarta-Feira de Cinzas ao Domingo de Páscoa, em que jejuam os cristãos, exceto nos domingos. Afirmam os santos padres (como se pode ver em Cornélio a Lapide, Bellarmino, etc.) que foi a Quaresma instituição dos Apóstolos, para honrarmos e imitarmos o jejum de Cristo Nosso Senhor, satisfazermos à Justiça divina, e assim preparar-nos à digna celebração da Páscoa. Nesse tempo sagrado, substituindo a Igreja o luto às profanas alegrias, bradando a Deus a implorar o seu auxilio, a pedir-lhe a conversão dos pecadores, exorta-nos, e como que nos obriga, a entrarmos em contas conosco. Façamos-lhe a vontade, cumpramos com o preceito do jejum e juntemos a essa penitência exterior a do coração, sondando o abismo da nossa consciência, lavando os pecados nas lágrimas da compunção e no sangue de Cristo, frequentando mais os sacramentos, ouçamos Missa todas as vezes que pudermos, apliquemo-nos à lição espiritual, à oração, à consideração das verdades eternas, à pratica das boas obras, façamos esmolas mais generosas, sirvam as nossas privações para sustento do pobre. Desta sorte apagaremos, nestes dias da salvação, nossas culpas passadas, e fortalecer-nos-emos contra as tentações futuras. Foi religiosamente praticado este jejum desde o tempo dos Apóstolos. Que vergonha para nossa tibieza e covardia a piedade e o rigor dos primeiros cristãos! Privavam-se, não só da carne, como de muitos outros alimentos; era depois das vésperas a única refeição do dia: comiam só para não morrer, sem tantas sensualidades. Só nos princípios do século XIII consentiu a Igreja que adiantassem até ao meio dia a refeição da tarde. Asseveram São Bernardo e Pedro Blezense (12º século) que bem como eles jejuavam os fiéis até a boca da noite. (...) Unamos cada dia nosso jejum ao de Cristo Senhor Nosso, em testemunho da nossa obediência à Igreja nossa Mãe, do nosso agradecimento por tantos benefícios, para expiação dos nossos pecados e dos de nossos irmãos, para alivio das almas do Purgatório, e para alcançar a graça de livrar-nos de tal pecado e de praticar tal virtude.
Texto retirado do livro Manual do Christão de Goffiné, edição de 1933.
Algumas instruções sobre a Quaresma
Jejum
- Comer mais daquilo que não se gosta e menos das coisas preferidas;
- Comer normalmente nas refeições, mas não comer nada entre o café da manhã e o almoço, nem entre o almoço e o jantar;
- Atrasar em 15-30 minutos as refeições, se possível (não se faz isso se for prejudicar a rotina da família ou do trabalho); não tomar líquidos durante a refeição, e mesmo entre as refeições (se a saúde permitir);
- Abster-se de prazeres lícitos, como ouvir música, cigarro, sobremesa, açúcar;
- Levantar-se 15-30 minutos mais cedo; não dormir após o almoço;
- Dedicar-se com diligência às necessidades da casa, como lavar os pratos, varrer, ajudar no jardim, etc;
- Suportar sem queixa o frio ou o calor;
- Moderar o uso de adornos e maquiagens;
- Rezar de joelhos por um tempo maior do que se está habituado;
- Não perder tempo com superficialidades; diminuir notavelmente o uso do celular e internet, servindo-se para aquilo que é necessário;
Esmola
- Emprestar prontamente o que nos pedem, sem apego;
- Aumentar um pouco, sendo isso possível, durante a Quaresma, a ajuda material que se faz a alguém ou instituição de modo regular;
- Oferecer alguma leitura, se a ocasião se apresenta, que seja piedosa a uma pessoa que precise;
- Consolar e encorajar as pessoas que se mostram desanimadas na prática da virtude; aproximar-se de alguém com a qual se tem antipatia, e ajudá-la prontamente; perdoar aquela pessoa para com a qual se guarda rancor (rezar pedindo essa graça);
- Visitar algum doente e/ou algum membro da família que precise;
Oração
- Sendo possível, rezar mais vezes a Santa Missa e o Rosário;
- Retificar as intenções antes de agir, agindo não para ser estimado ou reconhecido, mas para agradar a Deus;
- Oferecer a Deus as calúnias recebidas, humilhações, insucessos – queixar-se menos;
- Rezar a Via Sacra nas 6ªs.-feiras;
- Visitar com mairo frequência o Santíssimo Sacramento;
- Obedecer prontamente; falar bem de uma pessoa para com a qual se tem inveja, e rezar por ela;
- Ser fiel à oração mental diária;
- Dispor-se para a leitura espiritual todos os dias, em horário fixo (após café da manhã, ou antes de dormir, por exemplo);
- Fazer exame de consciência antes de dormir, ou mesmo em três momentos do dia (antes do almoço: o que fiz até o almoço; antes da janta: o que fiz entre o almoço e a janta; antes de dormir);
- Estudar sobre algum ponto do catecismo ou da doutrina católica que ignora ou sabe que conhece de modo fraco;
- Ler a biografia de um santo;
- Examinar qual é o defeito dominante e fazer sérios esforços para vencê-lo;
- Oferecer algum sacrifício pelas almas do Purgatório;
- Instruir-se sobre as cerimônias da Semana Santa, para assisti-las com maior devoção.
Dias de jejum com abstinência de carne:
- Quarta-feira de cinzas; e,
- Sextas-feiras da Quaresma.
Dias de jejum sem abstinência de carne:
- Quartas-feiras da quaresma; e,
- Quinta-feira Santa.
Quarta-Feira de Cinzas*
Pela imposição das cinzas recebemos hoje o convite oficial da Igreja para fazermos penitência: “Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar”. A cinza é símbolo de penitência pelos pecados que trouxeram a morte para este mundo. As orações da bênção e imposição das cinzas e as da Missa nos fazem penetrar no espírito da penitência cristã; humilde submissão, unida a uma grande confiança na misericórdia de Deus. Enquanto a Epístola nos põe diante dos olhos um exemplo comovente de penitência, o jejum, Jesus Cristo nos ensina no Evangelho que este jejum deve ser antes de tudo interior. Se antigamente só os pecadores públicos recebiam as cinzas, mais tarde foi estendida esta prática a todos os fiéis, pois todos devem sentir-se e confessar-se pecadores e fazer penitências.
* Texto retirado do Missal Quotidiano – Dom Beda Keckeisen, O.S.B. – Edição de 1961